A inclusão de pessoas com síndrome de Down é uma busca constante e que representa a luta por uma sociedade mais justa. Num país que conta com cerca de 270 mil brasileiros portadores da síndrome de Down, conforme o IBGE, ainda existe muita discriminação por pessoas que considera deficiência, muitos desconhecem suas habilidades e progressões.
Para entender melhor sobre a vida de uma pessoa com síndrome de Down, conversamos com Marinalva Silva Oliveira, a mãe do Gabriel, de 11 anos. Ela conta sobre aceitação, os avanços do filho e o que espera do futuro para ele. Você também vai ler uma entrevista com a psicóloga Débora Mascarenhas, que vai abordar sobre o convívio social, como os pais devem lidar com seus filhos, a hora de falar sobre sexualidade, e muito mais.
Gabriel Silva Oliveira é o xodó da família, parceiro dos dois irmãos mais velhos e grande amigo dos pais. Segundo a mãe, Marinalva Silva Oliveira, tudo isso se deve ao amor e ao respeito dentro de casa. “Nos amamos muito. Ele está numa fase em que os interesses têm se voltado para Andrew, o irmão mais velho. Acho que Andrew se tornou a referência para ele”, conta.
Com apenas 11 anos, Gabriel tem uma vida bastante ativa. A semana se divide com sessões de fonoaudiologia, aulas de equoterapia e de circo, aula na escola à tarde e no final do dia realiza as tarefas de aula. Segundo a mãe, o aluno do quinto período é estudioso e focado nas disciplinas. Para acompanhá-lo no aprendizado, uma mediadora o ajuda nos afazeres diários, e a escola possibilita conteúdos didáticos adaptados. “A disciplina que ele mais gosta é matemática. E algo que ele adora é mexer com fotos e vídeos, acredito que ele possa seguir nessa linha futuramente”, conta, orgulhosa.
Marinalva lembra do dia em que soube que teria um filho com síndrome de Down. Aos 8 meses de gestação, durante uma consulta com a obstetra, ela descobriu que o fêmur era mais curto do que o normal, o que indicaria a possibilidade da síndrome. “Comecei a ler informações sobre o assunto durante a gravidez, e a confirmação só veio após o nascimento. Minha reação inicial foi de tristeza, não por causa de um filho com Down, mas pelo medo de ser discriminado numa sociedade excludente. Meu marido também passou pelo mesmo processo de aceitação”, lembra.
Embora a socialização seja estimulada pelos pais, atitudes preconceituosas aparecem no meio do caminho e entristecem a família. “Liguei para uma escola regular e tinha vaga. Quando fui pessoalmente para matriculá-lo, o levei, ao entrar na sala da coordenadora pedagógica, a vaga sumiu. Questionei até que ela confessou que a escola não estava preparada para uma criança com Down. Essa situação ocorreu diversas vezes. Nos parques de diversões tentaram impedi-lo de entrar porque ele é ‘especial’. O pior é quando estamos na rua e as pessoas se dirigem a mim para perguntar sobre ele, achando que ele não tem capacidade de responder”, detalha.
Apesar do comportamento discriminatório, Marinalva acredita que a tolerância é uma das chaves para o aprendizado e o sucesso de qualquer pessoa com síndrome de Down. “O desenvolvimento acontece se tiver condições adequadas. Devemos identificar que a criança com Down aprende, pode ser num ritmo mais lento, mas tem a mesma percepção do que qualquer pessoa. A diferença só existe na cabeça de quem quer”, classifica a mãe.
A psicóloga Débora Mascarenhas responde as principais dúvidas sobre como entender e ajudar uma criança com síndrome de Down:
- A síndrome de Down pode ser diagnosticada na fase pré-natal?
Sim. A translucência nucal (medida para descobrir os riscos de síndrome de Down) com 12 semanas de gestação pode indicar alteracões genéticas. Já a amniocentese é um exame mais complexo, envolvendo riscos. Antes de mais nada, é importante pensar qual a função dessa identificação precoce. Seja de qual for a informação levantada, deve servir para preparar melhor a chegada daquela criança com qualquer especificidade.
- Como os pais podem trabalhar com o processo de aceitação?
O nascimento de uma criança é alegria muito grande. É importante saber que a síndrome de Down exige cuidados de saúde e determinados estímulos, mas ela é uma criança como qualquer outra. Não podemos colocar a síndrome de Down na frente da criança, e sim, é uma criança com síndrome de Down, e que exige cuidados diferenciais. Também é importante, desde o nascimento, os pais buscarem informações com fonoaudiólogo, psicomotricista, terapeuta ocupacional e psicólogos. Todas as orientações necessárias ajudam para um bom crescimento.
- Quais os benefícios do orientação psicológica?
Um trabalho terapêutico pode ser sempre uma saída quando ocorre algum desconforto emocional na família, mas não é obrigatório. É preciso que haja uma demanda para que o psicólogo possa realizar seu trabalho. Agora é claro que, se a questão da síndrome de Down impacta na família e traz angústia, dúvida ou desespero, um trabalho psicológico se torna fundamental para alinhar os pensamentos e reestruturar a família.
- Como os pais devem estimular a criatividade de uma criança com Down?
O incentivo para as crianças com síndrome de Down tem função especial. É preciso encorajar as pessoas com Down para que elas desenvolvam a criatividade. Se essa oferta chegar de uma forma adequada, elas podem aprender.
- Como estimular a inclusão social de uma pessoa com síndrome de Down?
Deve ficar claro que as pessoas com síndrome de Down já estão na sociedade, e não que elas precisem ser inseridas. É nossa responsabilidade melhorar o acesso e a convivência das pessoas, e não ao contrário. Se diminuirmos as barreiras, a deficiência tende a se apagar, assim o ser humano torna-se mais aparente.
- Qual a melhor maneira de enfrentar o preconceito?
O preconceito precisa ser entendido como falta de informação. Essa é a nossa grande arma para transformar qualquer tipo de diferença. Costumo conversar sobre tudo isso, claramente com os meus pacientes que tem síndrome de Down e suas famílias. Não adianta fingir que não existe qualquer dificuldade.
- Como os pais precisam entender e como devem orientar sobre a vida sexual?
A primeira coisa que a gente precisa dizer é que as pessoas com síndrome de Down não tem sexualidade exacerbada. Não está determinado na carga cromossômica da trissomia do 21, o “excesso” de sexualidade. O que acontece é a falta de informação e de preparação do adolescente. A ausência de orientacão e a negação de que a adolescência está chegando acabam culminando numa série de dúvidas e de comportamentos inadequados. Eles precisam entender o que está acontecendo com eles, e se a família não se sente a vontade para esta orientação, não adianta fingir porque não vai acontecer. Aí entra um profissional para ajudar nesse momento. As famílias precisam pensar que as crianças crescem, chegam na adolescência e, quando jovens, possam ter o direito a uma vida sexual como qualquer pessoa.